terça-feira, novembro 16, 2004

A quinta primavera do terceiro milênio.

por Élcio Pacheco.

No mundo atual convivemos com uma paradoxal ordem internacional. Por um lado a humanidade assiste perplexa a violência que tomou conta do planeta e, por incrível que pareça, paira um sentimento generalizado de que "aquilo que está acontecendo não é culpa minha". Assim todos pensam ao assistirem, em tempo real, os corpos despedaçados por todo canto.

Por outro lado, o pânico assola até a cabeça dos mais pequeninos, aqueles que deveriam ser a reserva de esperança de paz. A paranóia da violência é por sua vez a ironia de viver no meio desse caldeirão de bombas humanas, entremeados pela parafernália tecnológica criada para a morte.

Então a vida vai seguindo passo a passo para um desfecho, talvez, ou não sombrio, onde o simulacro da incerteza é hoje a baliza dessa ordem mundial assentada num triedo de fatos que são fundentes, resultando o renascimento por fórceps, da tridimensionalidade entre o velho, o atual e o novo.

O mundo de hoje não sei se posso chamá-lo de moderno, porque a antiga crueldade é apenas exercida hoje com a letalidade de armas mais eficientes, conquanto, os antigos bárbaros talvez se envergonhariam de ver a mortandade e o genocídio na moderna civilização.

Então seguimos quase loucos acreditando que tudo isso está certo; passamos por cima de cadavéricos pedintes e despistamos para não sofrermos com aquela visão fantasmagórica, e nessa loucura difusa, aceitamos friamente a morte desses corpos vagantes. Ora... justificamos, cumprimos a lei! Dura lex sed lex, esconjuramos o demônio da pobreza, eu não sou o culpado, não fui eu quem o fiz, vá de retro..., e saímos justificados depois da batalha com a droga do nosso travesseiro. E ainda, a manhã descortina, acordamos suados com a ressaca da insônia, tudo aquilo não passou de quimeras justificativas, a realidade então bate à nossa porta e descobrimos: cada um de nós temos o dever de desconstruir o que está posto.

Élcio Pacheco, grande amigo e detentor de uma das mais brilhantes mentes por mim conhecida, escreverá para Elucubrações Cerebrinas quando lhe der na telha! Vamos aguardar...

quinta-feira, novembro 04, 2004

Cercas, muros e alarmes.

Cidade elétrica, cercas e alarmes para todos os lados.

Olhando por cima dos muros enxergamos o medo das pessoas, o pavor pelo óbvio, coisa estampada nos jornais e nos vidros escuros dos carros importados. Enxergamos, à todo instante, o auto-isolamento imposto pelo terror de pessoas para com outras pessoas.

Cercas elétricas entre nós, energia que nos separam.

Nada de abraços, nada de conversas: temos interfones, videofones, e quando se tem mesmo, ainda há vagas para porteiros, homem treinado para a afastar o outro, aquele que você não conhece... mas tem medo!

Cercas elétricas nos separam cada vez mais. Condomínios luxuosos e distantes nos separam cada vez mais. Tudo por conta do medo incontrolável, medo do convívio, terror estampado nas roupas de grifes que valem o que não ganha um reles trabalhador durante um ano inteiro, roupas feitas sob medida como se pagou para ter.

Cercas elétricas nos muros das cidades ricas, cercas elétricas nos muros das cidades miseráveis, cercas elétricas entre nós.

Antes fosse só isso.