domingo, dezembro 26, 2004

Carne má.

Traz para mim o sabor de todo o infortúnio
Rasgue assim o sabor e o saber de tudo à nossa volta
Despeje em mim,
Rasgue a minha consciência
E me molhe com todo o teor da desventura
(dela, e só dela...)
Que me salga, me mata...

Vem em mim desde germe, rastejante verme,
O sabor inconfundível da maledicência
Do escárnio.
Gozo e chamo, suplico...
Bato e xingo (acaricio a alma, tua alma!)
E no sabor da tua boca, o teor da minha eterna ira.

Veja nos meus olhos, olhos no éter.
Sinta a textura dos meus órgãos
Sinta em mim todo o mal
De todo e tudo
Sinta e estremeça, ó mortal,
A carne eterna
A carne imutável
Sinta a carne.

terça-feira, dezembro 07, 2004

Somos fortes...

As grossas correntes ainda estão nos calcanhares e nos pulsos. Ao olharmos as janelas do passado próximo, em verdade, todavia, permanecem vivas as mesmas marcas nos corações e mentes presentes.

As correntes vermelhas de sangue, sangue escravo e suor ainda gritam aos séculos, em meio a lágrimas e lamentos ecoados nas poesias e no "blues"; o grito ainda é forte pois os tambores se encarregaram de nunca se calarem, retumbando para todo o sempre as mazelas das senzalas.

Muita coisa mudou desde 1888, mas pouca coisa se modificou. Apenas na forma em 1988, muito pouco para 100 anos: ensaiamos um arremedo de liberdade, sonhamos com uma sociedade realmente, ou melhor, efetivamente livre e igualitária, um sonho sonhado que embalou grandes mudanças ao largo da história, nas revoluções desencadeadas aqui e acolá. Entretanto, frustramos ao ver que foi brinquedo de papel, pois na forma avançamos, mas na praxis somos os mesmos: o negro, infelizmente, ainda é discriminado.

Tem as menores chances em tudo, desde a educação à obtenção de um emprego justo e bem remunerado.

Ainda é visto com outros olhos, olhos que procuram coisas erradas, que o preconceito, inimigo do bem, imprimiu de novo nos corações e mentes, vícios de uma patologia social, detector de resquícios de um tempo passado, tempo de vergonha para todos, tempo de escravidão. Não há e não haverá crueldade maior na face da terra, excreção hedionda, da negação da humanidade de todos, de qualquer um.

As correntes hoje tem outros nomes: favelas, falta de oportunidade, racismo ora velado, ora totalmente exposto, como uma chaga incurável, vermelha-sangue, criminalidade de lesa humanidade.

As correntes hoje tem nomes variados; intolerância, xenofobia, segregação racial, dominação política, às vezes chegadas aos extremos da religiosidade, às vezes a hipocrisia chega ao limite gritante de fechar os olhos para uma situação revoltante.

Escravos deste sistema degradador, negros, todos... salve Zumbi dos Palmares, viva a resistência negra, salve vinte de novembro! Viva o negro!

Somos fortes...