terça-feira, julho 19, 2005

A casca.

Coçamos a pele, a casca. Lambidas na ferida, estado nosso que não sara e que sangra sem fenecer, perambulando entre casos de subtração na saúde, escândalos financeiros dos mais diversos, roubo da dignidade do povo, família, amigos, companheiros, doentes e decepcionados, gente atrás de gente, morrendo em leitos frios e metálicos, aguardando, um a um, algum fim. É a feridagem aberta da nossa política e suas nefastas conseqüências mostradas à toda população em cadeia nacional, para todo mundo ver e não mais se assustar com o óbvio, para a gente tentar enfim acordar deste sonho de Cinderela vomitada, posta e criada como indigente em um país subdesenvolvido.

Repare bem: há a chaga funda e há a casca. A casca nasce em cima do nosso silêncio, da nossa apatia para com o público, com a gritante indiferença que temos com a coisa nossa. Nasce a casca, forte, por sobre o desdém, a insensibilidade moral de alguns, governantes e governados de diversos escalões deste e de outros governos ineptos, e brota frondosa como nasce, dia após dia, a nossa plena e muda certeza de que algo deve ser feito, urgentemente, para curar nossa casa, sarar e salvar o que resta da nossa pele surrada e escalavrajada.

Mancomunam-se os chacais, as hienas e os abutres, em alianças sussurradas e em promessas explícitas de vilipêndio para com o povo, todos feitos sob a casca. Sugam eles, os putos, a bostela e todo o pus produzido por suas ações, junto com nosso sangue ralo e brasileiro.

Sonhos destruídos, esperanças perdidas. Se pensarmos bem, a casca não deveria existir, deveríamos viver em plena harmonia, livres, cientes das nossas obrigações e deveres. Mas se existe ferida, que a casca nasça forte para proteger o social, o público, nossa saúde, nossa formação, nossas idéias e ideais de liberdade se encontram corrompidos, violados, crie possibilidades para o novo, até que apareça uma nova e saudável membrana política e estatal. Percebemos hoje que existe e sempre existiu sim a casca sobre nossos votos, nossas certezas antigas, nossos sonhos de libertar dos grilhões da nova escravidão gerada pelo acúmulo exacerbado de capital na mão de poucos, deste sistema que tolhe o social, esmaga e estraçalha a nossa soberania, nosso direito legítimo como povo. Percebemos atônitos que há uma quase inviolável casca sobre esta escrota corrupção e corruptos, doença social hoje descarada e desmascarada que mata nossa vontade, que nos enfraquece, que é substrato para a casca.

Perceba, acorde, repare você que neste ambiente purulento, vivemos.

Coçar a pele, retirar esta casca já ressecada pelo tempo, conseguir enxergar a doença, extirpá-la, deixar novamente deixar nascer a pele, forte, limpa, sem vícios, mudar, ter atitude, curar nosso país: façamos nossa parte!