Não sei que dia é hoje, não sei e já pareço não querer mais saber. O filete de luz que adentra a cela é o único vestígio de luminosidade deste dia, os insetos rastejantes e pequenos roedores, únicos e fiéis amigos em meses. Solitário penso na vida, no que vivi e no que ainda me espera. Só. Sempre só.
Por onde meus pensamentos ainda teimam em viajar, encontro muros praticamente intransponíveis por todos os lados, cercando minhas vontades, meus desejos mais ocultos, minha gana de me ver livre e atemorizadamente feliz novamente. Para falar a verdade, descobri que tenho medo de estar lá fora, e isso eu agora sei com toda certeza! Morro outra vez e morreria de novo, se pudesse, a cada pensamento ou a cada minuto que conto com as batidas do meu coração, quando penso no que pode me aguardar por detrás de cada porta, de cada bruta face, de cada olho envoltos em lágrimas e dor, dor que por certo eu mesmo criei.
Muito fiz, coisas que há poucos dias orgulhosamente relatava. Agora meus fantasmas vivem a me rondar, chicoteiam incansavelmente minha alma com carícias feitas de couro cru e balas de chumbo que não se sentem na carne. O som daquela arma quente ecoa em meus ouvidos, me ensurdecendo noite após noite de sono. O sangue em minhas mãos não me deixa descansar, não me deixa em paz, não me deixa...
Rezaria se soubesse ou se fosse apresentado ao
Pai. Mas
Ele não viria aqui compartilhar da minha solitária solidão, compartilhar do escuro desta construção inumana, demoníaca e fétida.
Ele não me ajudaria a pisar em baratas e chutar camundongos famintos por restos de minha comida.
Ele não me faria esquecer, sim, de como é sentir na pele o sol e brisa matutina no rosto. Se tivesse certeza que realmente existisse, falaria que até
Ele se esqueceu de mim, o pecador jogado neste buraco raso, nesta fossa podre e entupida de bosta dura de dias, de meses, mas comigo, esquecido e arrependido, mas ainda vivo.
Hoje é segunda, ouvi um dos muitos homens que tratam de mim, falar. Mas que isso me importa?